sexta-feira, 27 de junho de 2008

LENDA DO CASTELO DE TERÊ

LENDA DO CASTELO DE TERÊ

(Resumo do romance “A fronteira entre os mundos”, de Manuel Castelin, ainda por desenvolver-se).


Dedicada em seu 70 aniversário de intensa e frutífera vida a Jeremías Lunardelli, quem convidou-me ao Jogo da Sustentabilidade num lugar do interior do Brasil chamado Terezópolis de Goiás. Ao Prefeito Uilton Pereira, que me acolheu. Dedicada muito especialmente aos meus melhores amigos locais, Jaime Coelho e Eunice, amorosos construtores de vórtices e pontes de enriquecedora comunicação entre os diversos mundos dimensionais que compõem e elevam a nossa realidade, aos os meus companheiros Ede Muller “Eknath”, Henri Koliver e ao resto dos camaradas comunitários, que também os construiram generosamente à suas próprias maneiras em Pirenópolis e na Chapada dos Veadeiros. Dedicado à escultora Maria Guilhermina de Goiânia, a primeira pessoa que voltou a ver o Castelo de Terê sobre o seu morro no ano 2007.

Continuamos pesquisando as histórias do lugar que conhecem os moradores, para chegar a fazer desta lenda um bom romance, com verdadeira qualidade literária, que traga muitos visitantes ao nosso município. Convidamos a todos os residentes e visitantes de Terê, no presente e no futuro, dotados pela Vida de boa imaginação e do talento de escrever, a que façam deste romance uma obra de arte coletiva, acrescentando a este roteiro, se quiserem, novas partes da lenda, e publicando-as no nosso blog: www.povodetere.blogspot.com


CAPITULO 1: O MORRO ENCANTADO

Chegando desde Anápolis ou desde Goiânia, o primeiro que anuncia a cidade de Terezópolis de Goiás é um alongado morro bem coberto de mata na sua parte mais alta. Os vizinhos falam que, às vezes, se avistam lá estranhas luzes ou fogos, os mais jovens falam de discos voadores de extraterrestres... outros, mais tradicionais, dizem que são os clássicos sinais que indicam que por ali se encontra a Mãe d´Ouro, guardando tesouros para os ousados achar. Uma das mais antigas pioneiras fundadoras da cidade contou esta história a um estrangeiro que veio desenhar a visão do Plano de Sustentabilidade do Município:

Quando ela era criança gostava de subir ao alto do Morro dos Macacos, que domina a cidade, para ver a paisagem e para sonhar viagens pelos mundos que se adivinhavam além dos horizontes.

Uma tarde, subindo depois da chuva, encontrou uma lagoa entre as duas maiores elevações. Junto a sua margem, sentada em um tronco, uma bela índia penteava a cabeleira. Depois que a saudou, conversaram, revelando-se a índia, que se chamava Tereza, como uma pessoa simpática e sábia, tanto que a menina quis intimar mais com ela e retornou várias vezes ao morro para encontrá-la. Porém, unicamente a achava nos dias depois da chuva, logo que aquela lagoa se formava no alto. Quando já tinham confiança, a menina perguntou onde era que a amiga morava, ela sinalou para o alto e disse que lá mesmo, naquele castelo. A menina não via lá mais que mato, e então ela explicou que se tratava de um castelo encantado e que apenas o podiam ver as pessoas que superaram esse encantamento chamado normalidade, que só nos deixa ver aquilo que já conhecemos e que, portanto, nos parece o normal.

A partir daí, toda vez que a menina subia lá era mais e mais profundamente iniciada na arte e na ciência da abertura das nossas percepções à dimensões da Realidade diferentes da habitual. Um dia, a menina conseguiu ver por fim perfilar-se o castelo no alto do morro e quis ir até ele, mas, quando se aproximava, contornando a lagoa, a visão desaparecia. Tereza explicou-lhe que antes de entrar no âmbito encantado era necessária uma limpeza energética, tinha que cruzar por baixo da lagoa. Ela falou que não sabia nadar, e menos mergulhar. Tereza disse que não importava, que cruzaria se submergia-se na lagoa com a convicção de que lograria passar ao outro lado.

Finalmente a menina reuniu a fé e coragem suficiente para atrever-se a mergulhar. Então sentiu que podia respirar e caminhar embaixo da água e viu vir detrás dela a Tereza, também caminhando sobre o fundo. Pegou-la pela mão e juntas saíram pela outra margem, encontrando algo que ela não tinha visto antes, uma rampa que ia pelo meio duma pirâmide escalonada de pedra que era coroada no alto pelo castelo, ambas construções sobresaindo entre as velhas árvores da floresta.

Ascenderam sem pressa os sete andares da pirâmide caminhando pelo largo túnel espiral de mínima inclinação contido nela, cujas paredes, do lado direito, estavam formadas por uma sucessão contínua de belas e misteriosas pinturas fluorescentes. Ao passar algum tempo, saíram ao interior do castelo, penetrando nele pelo centro de um recinto circular com doze portas arqueadas, cada uma diferenciada apenas por um número romano abaixo de um estranho sinal que ocupava o centro de cada arco, situadas naquele círculo tal como se situam as horas na esfera de um relógio.

Convidada por Tereza a entrar por uma das portas, a menina foi introduzida a uma verdadeira comunidade de pessoas de distintas raças e idades que viviam em boa harmonia uma vida tranqüila e singela de estudo, relação e criatividade constante, sem dedicar demasiado trabalho a satisfazer as suas necessidades, que eram mínimas porque só se alimentavam de frutos ou verduras ao vapor, de caldos, de cremes de milho ou de chás, e eles mesmos cultivavam aqueles vegetais sobre mesas altas, misturados com as mais belas flores e com ervas aromáticas. Sempre havia alguma bela música soando em cada canto A cada dez ou doze passos que dava, a música parecia desligar-se e começar outra automaticamente, se bem que também se entrava ás vezes em espaços de agradável silêncio cheio de sugestões intuitivas.

Voltou lá muitas vezes, comeu da comida daqueles amigos, leve e gostosa, dançou com eles as suas danças circulares, desenvolveu amizades colaborando e aprendendo do talento de cada um com prazer e alegria e, aos poucos, na medida em que se abria a aquelas pessoas tão abertas e acolhedoras, foi-se inteirando da história dos moradores do Castelo Encantado. Algumas vezes Tereza a convidou a ultrapassar com ela algumas das outras portas, que davam acesso a outras comunidades similares, mas que pareciam estar vivendo em ambientes bem diferentes, outros castelos, parques, povoados indígenas, palácios ou mosteiros. A menina sentia cada um deles como se fossem um outro país ou mundo situado bem longe, apesar do perto que estava cada porta da seguinte no quintal. Visitaram muitas vezes uma, um anel de casas situado sobre uma altura, onde vivia Jaime, simpático filho de Tereza, junto a sua bela companheira, uma jovem índia chamada Aquarí.

Dava a impressão de que todas e cada uma daquelas comunidades e pessoas viviam, nas suas dimensões “encantadas”, um tempo diferente do tempo chamado “normal”, e surpreendentemente tinham lembranças de vários séculos, mesmo as crianças. O companheiro íntimo de Tereza, pai de Jaime, se chamava León Osorno e explicava-lhe que aquele era o mundo que tinham elegido criar com os seus sonhos, e que a maioria das pessoas vivem em mundos vulgares, feios e até sinistros, porque não sabem criar o seu próprio mundo, que se realiza como resultado do conjunto dos seus pensamentos pessoais mantido no tempo mental... mesmo que a menina não entendia como aquilo pudesse ser possível.

CAPITULO 2: HISTÓRIA DE LEÓN E ALONSO

León confirmara, ainda que parecesse loucura, ter nascido no século XVI no norte da Espanha numa velha cidade chamada Ponferrada, cujo enorme castelo templário guardara antigamente dos mouros a entrada na Galiza do Caminho de Santiago. Como a menina não sabia o que era aquilo, explicou que se tratava de uma importante rota de peregrinação, desde qualquer parte da Europa, até o que os antigos chamavam O Fim do Velho Mundo ou Finisterre, na beira do Atlântico. Explicou para ela de uma maneira tão expressiva que a menina estava vendo tudo quanto contava com plena clareza na sua imaginação.

León dizia também que pertencia a uma linhagem de guerreiros cristãos que tinham puxado aos mouros, invasores da Espanha, cada vez mais ao sul, durante setecentos anos de luta contínua. A menina ficou pensando como eram possíveis guerras de setecentos anos, se toda a história do Brasil como nação independente, como estava estudando esses dias na escola, não passava de 186 anos; mas Tereza confirmou seriamente que não setecentos, senão oitocentos durara aquela reconquista da Península Ibérica, onde estavam Espanha e Portugal.

Quando os mouros foram expulsos do seu país depois de tanto tempo de luta, os cristãos espanhóis consideravam normal viver em e para a guerra, causando dano a outras pessoas e ás vezes recebendo-o delas, como se a guerra fosse um apaixonante e nobre esporte... não achavam nenhuma profissão digna deles, senão a de guerreiro ou a de padre. Por isso continuaram levantando um império conquistador na Europa, onde estavam concentrados os exércitos comandados pela aristocracia, ou bem na América recém descoberta, que brindava oportunidades a todos, ainda sem ter sangue azul, nem amigos importantes nem dinheiro, sempre que sobrar coragem, tenacidade e resistência, ademais da inteligência necessária para sobreviver e prosperar.

Poucos meses depois de León ter nascido no seio de uma família tão fidalga como pobre, o seu pai enrolou-se numa expedição que partia ao encontro de Francisco Pizarro, lançado à conquista do fabuloso Império dos Incas. León passou a sua infância com a sua mãe em Ponferrada, sonhando com ter, como o seu desconhecido e mitificado pai, a sua oportunidade de viver aventura e glória e de ganhar terras e fortuna com a espada. Finalmente a conquista consolidou-se, o seu pai mandou dinheiro e os chamou junto à ele. Assim foi como León, acompanhando à sua mãe, cruzou bem jovem o Atlântico sobre uma casca de noz mal chamada de navio, chegaram à ilha de Santo Domingo, dela navegaram até Panamá em uma caravela talvez mais velha que as de Colombo, cruzaram o istmo em mulas e se embarcaram de novo num barco melhor, graças a Deus, pelo Mar do Sul de Balboa, que agora chamavam Oceano Pacifico, costeando altos e baixos litorais de floresta fechada e selvagem até a bahia de Tumbes, no Peru.

Pouco puderam desfrutar da alegria do re-encontro com seu pai e marido, porque os conquistadores tinham-se dividido em dois bandos e começaram uma raivosa luta entre eles pelo poder sobre o rico território. Desafortunadamente o seu pai, que apoiava a Francisco Pizarro, o homem que tinha conquistado o imenso Império dos Incas contra os partidários do seu antigo sócio, Diego de Almagro, foi morto no meio de um dos combates. Cego pela dor, León pediu para ser aceito no bando do seu pai a fim de vinga-lo, apesar da sua juventude, e participou ativamente em várias das ações da guerra civil até que os inimigos foram derrotados e os chefes almagristas executados. A guerra terminou com León servindo nas tropas de Gonzalo Pizarro, baixo às ordens diretas do Alferes Alonso Pita.

Gonzalo Pizarro, irmão de Francisco, o vencedor dos Incas, era um bravo e duro general que recebeu então o cargo de Governador de Quito. Desde ali, preparou uma arriscada expedição às florestas do coração do continente, em procura de lugares míticos como Eldorado ou o País da Canela.

O Alferes Alonso Pita nascera em Ferrol, na Galiza, noroeste da Espanha, frente ao rugidor Atlântico, e teve como padrinho a um tio seu, Alonso Pita da Veiga, que era soldado. Dois anos mais tarde, o seu padrinho converteu-se em herói nacional, por ter apresado ao mesmo rei da França, Francisco I, no final de uma batalha que o Imperador ganhara-lhe em uma cidade do norte da Itália chamada Pavía, Alonso Pita não vivia durante a sua infância e primeira juventude senão sonhando em emular ao seu padrinho e chegar também a herói. Veio ao Peru com Gonzalo Pizarro, participou na reconquista da fortaleza inca de Sacsayhuamán, em Cuzco, e formou parte da escolta pessoal e da cavalaria de Gonzalo Pizarro durante as duas guerras civis. Quando terminaram, apontou-se entre os primeiros à expedição ao Pais da Canela, e León Osorno o admirava tanto e estava tão agradecido por tê-lo iniciado à vida de soldado durante as guerras almagristas, que não duvidou um momento em partir junto a ele. Porém, a expedição deu-se muito mal naquele inacabável labirinto verde cheio de perigos, fome, febres e tribos hostis, e perdendo à maioria dos seus homens, alguns até suspeitos de desertores. Um grupo deles enviados a explorar, comandados por um tal de Orellana, descobriram um enorme rio que chamaram Rio das Amazonas, porque foram atacados por mulheres guerreiras, e que percorreram esforçadamente, incontáveis léguas sobre um barco improvisado, entre mil perigos, seguindo a corrente até sair ao Atlântico.

Quando Gonzalo e os seus poucos sobreviventes (entre os que por fortuna se encontravam Alonso Pita e León, jovens prematuramente amadurecidos por tantos sofrimentos, conseguiram sair da amaldiçoada floresta que os tragara), e voltar esgotados e falidos ao Peru, se encontraram com dois enormes choques mais: O irmão de Gonzalo, Francisco Pizarro, tinha sido assassinado pelos seus rivais políticos... e o Imperador nomeara um novo vice-rei, no seu lugar. O vice-rei era alguém que não tinha participado na conquista e que trazia a intenção de instaurar umas novas Leis de Índias que pretendiam ser humanitárias, e que impediam aos conquistadores do pais explorar a mão de obra dos indígenas submetidos por mais de uma geração.

Ante aquela medida, que os ameaçava de ter que deixar a sua vida de senhores dos vencidos, justo privilégio que tiveram os vencedores desde muito antes de que os antigos romanos fixaram os códigos legais que estabeleciam o Direito de Guerra no Mundo Civilizado, os mais duros conquistadores reagiram com os mais violentos protestos contra aquela arbitrariedade e propuseram Gonzalo Pizarro como rei do Peru, estando até dispostos a desligar-se do seu Juramento de Fidelidade ao seu Senhor Natural e separar-se da vasalagem ao distante Imperador Espanhol (quem, para eles, pouco dava a câmbio do quinto do botim que recebia) a fim de constituir a primeira nação independente da América Europeizada.

Mesmo que Gonzalo nunca quis aceitar uma coroa (porque pensava que a dinastia dos Reis da Espanha a tinha recebido e transmitido aos seus descendentes por Direito Divino durante gerações, segundo tinham-lhe ensinado os padres desde criança), para todos aqueles homens parecia justo e claro que, em aquele Novo Mundo, em adiante, os donos do território seriam aqueles que tiveram a coragem de conquistá-lo junto com aqueles outros que estavam dispostos a unir-se a eles nesse momento decisivo, para lutar pela sua autonomia e soberania. Moveram um exército de voluntários contra as forças do vice-rei e o venceram. O vice-rei não quis render-se de jeito nenhum, e preferiu morrer como um cavaleiro na batalha.

Porém, o Imperador Carlos enviou no seu nome a um clérigo tenaz e convincente, Pedro Lagasca, membro do Sacro Tribunal da Inquisição, que, apesar de não trazer soldados nem dinheiro, ameaçou excomungar aos blasfemos rebeldes ao seu Senhor Natural e Soberano, com o qual os condenava ante Deus eternamente e, alem de usar os documentos de livre e plenipotenciária iniciativa concedidos a ele por emergência pelo Imperador para revogar temporariamente aquelas excessivamente caridosas Novas Leis de Índias que tinham causado o levantamento, trâs anunciar que se perdoariam os sublevados arrependidos, que se respeitariam as suas propriedades e que poderiam explorar aos índios vencidos ainda durante três gerações, logrou reunir em Panamá um exército leal à Realeza que finalmente desembarcou no Peru e venceu aos revoltosos que ficavam, mais por conseguir a deserção de uma boa parte dos conjurados que por boa estratégia militar.

Gonzalo Pizarro e seu primeiro tenente, ao ver que ficavam com tão poucos seguidores, renderam-se para evitar o massacre dos seus fieis, e foram executados depois no campo de batalha; mas o clérigo Lagasca não era um homem sanguinário, senão um determinado e prático político e religioso, e perdoou ao resto dos oficiais da revolta, que eram os melhores guerreiros espanhóis naquele continente, em troca do compromisso de que renovassem o seu Juramento de Fidelidade e aceitassem seguir servindo ao Imperador, ampliando Espanha longe do Peru. Justo por aquela época tinham chegado ante ele os porta-vozes de uma expedição espanhola comandada por um tal Irala que, saindo do Atlântico e do Rio da Prata, cruzara durante anos com grandes penalidades e em concorrência com os portugueses, o selvagem coração de América, seguindo as velhas trilhas dos nômades guaranis, o Caminho Peabirú e o rio Paraguai, para encontrar finalmente, com grande decepção, que o Império dos Incas longamente procurado já tinha sido conquistado por espanhóis procedentes de Panamá e do Pacífico.

Foi assim como Alonso e León, juntos com uns quarenta soldados ex-rebeldes que nunca quiseram desertar, foram perdoados e enviados por Pedro Lagasca, sob o mando de um autoritário oficial da sua confiança, a penetrar nas desconhecidas selvas do interior do continente, antes que o fizesse Irala ou qualquer outro aventureiro incontrolado como ele, com a ordem de cruzá-lo em direção Leste até a Linha de Tordesilhas e de montar lá um posto fronteiriço permanente frente ao território português, que salvaguardara os direitos de Sua Majestade Imperial e a jurisdição do vice-rei do Peru sobre aquela parte do mundo.

CAPITULO 3: A CAMINHO DA FRONTEIRA

Essa Linha tinha sido estabelecida dois anos depois do descobrimento de Colombo na cidade espanhola de Tordesilhas como divisória entre o Império Espanhol e o Português. Foi o Papa de Roma quem a traçou de acima abaixo dum mapa para contentar ambas potências marítimas, ainda que a maior parte do mapa estava formada por terras incógnitas, e apesar de que naqueles tempos era muito difícil demarcar a Linha com precisão sobre a maioria dos terrenos reais, caso conseguissem chegar a eles, já que se encontravam nas florestas mais profundas, empantanadas e inacessíveis do centro de Sul-América.

Saindo de Cuzco depois de uma disciplinada preparação, a expedição contornou o Lago Titicaca e foi ascendendo o altiplano do Alto Peru, para desde ele descer às selvas espessas do oriente. Foram muitos meses de duríssimo avanço dificultado pela hostilidade da maioria das tribos que encontravam no seu caminho, as mesmas que já tinham antes parado para sempre e até feito recuar o avanço do Império Inca. Ao descer a cordilheira se encontraram com um antigo e famoso Centro Cerimonial chamado Samaipata, defendido por milhares de guerreiros indígenas que não estavam dispostos a deixar-lhes passar.

A batalha, porém, foi ganha pela superioridade tática e tecnológica dos europeus, que saquearam depois tudo quanto havia de alimento ou valor no Centro Cerimonial. Nele foram apresadas algumas mulheres, que o comandante repartiu entre os oficiais. Uma delas muito formosa e principal, tratada pelas outras com o respeito devido a uma sacerdotisa, foi reservada para o chefe. Um padre franciscano que ia com eles empenhou-se em que fossem cristianizadas antes de converter-se em concubinas dos soldados. Assim foi que a Suma Sacerdotisa Pirí veio ser batizada, sem quase nada compreender sobre o significado daquele rito, com um nome espanhol tão longo, feio e difícil de pronunciar, que nunca o aceitou, negou-se teimosamente a responder por ele, e todo mundo, incluído o seu forçoso amante, teve que seguir chamando-a pelo seu nome de sempre. Ela não pôde evitar o sequestro do seu corpo, mas sim o da sua identidade.

Acompanhados agora de uns duzentos índios vencidos como portadores, os espanhóis seguiram adentrando-se nas emaranhadas florestas. A pesada marcha por territórios alagados e tórridos, o perigo das feras grandes, a impossibilidade de defender-se das pequenas, muito piores, as vorazes piranhas, as cobras peçonhentas, os milhões de persistentes mosquitos, as febres tropicais, a péssima alimentação, o esforço sem fim e as contínuas batalhas com os aborígines acabaram com muitos deles, mas conseguiram, depois de um tempo que parecia anos passados no Inferno, sair daquele mar de amaldiçoados pântanos, entrar com alívio a um território mais seco de mato grosso que cobria uma imensidade de antigas colinas aserradas, e chegar, depois de muito caminhar, às margens dum grande rio fluinte de Norte a Sul. Porém, antes de cruzá-lo e durante a travessia, tiveram que travar duas terríveis batalhas contra três nações indígenas coligadas.

Durante a segunda batalha, as improvisadas balsas que cruzavam as águas foram atacadas por centos de arqueiros que laçavam chuvas de flechas desde as suas canoas e desde a terra. Ainda que acabassem forçando o passo, os brancos perderam muitas das suas gentes que faziam de ponta de lança no desembarque no meio daquela multidão pintada e empenada, entre eles o comandante supremo e o religioso franciscano. Imediatamente assumiu a direção do combate o Capitão Alonso Pita até que lograram rejeitar aos indígenas, cuja superioridade numérica já não lhes valia com os infantes e cavaleiros cristãos postos em terra firme. Trás a vitória, os homens re-confirmaram por aclamação ao novo comandante a falta de uma nominação Real, tal como se tinha feito em frentes de lugares distantes desde que Roma levantara a ponta da espada o seu Império e a sua Lei. A maioria dos sobreviventes eram agora os antigos seguidores do rebelde Gonzalo Pizarro, que substituíram os seus portadores mortos com os indígenas apressados.

A partir daquele rio, o terreno começou a elevar-se, a grossura do mato a aclarar-se, a divisar-se amplos horizontes e a fazer-se mais amena a temperatura. Um dia chegaram a um vasto planalto coroado por uma sucessão de três montanhas velhas, onde o limpo céu se sentia muito perto, e os poucos instrumentos de navegação que levavam calcularam com razoável probabilidade que deveria passar por ali de norte a sul a Linha de Tordesilhas. O Capitão Pita ordenou levantar um acampamento fortificado no lugar estrategicamente melhor situado perto dela, e com grande cerimônia fundou uma cidade no seu centro chamada Palmas de la Línea (Palmas da Linha, por causa dos abundantes buritis).

CAPITULO 4: A FEBRE D’ 0URO

Mas o lugar revelou-se antes de três meses como pouco atrativo para a vida, e os cavaleiros dedicaram-se a explorar as montanhas próximas onde abundava a caça. Não demoraram muito em achar ouro no rio que as cruzava, e começaram a garimpar com entusiasmo. Porém, os indígenas que viviam ao pé das montanhas se ofenderam muito de que lhes sujaram a sagrada água do seu Rio dos Espíritos que bebiam desde sempre, e atacaram aos garimpeiros, ferindo a dois e matando a um. Pouco depois o grosso da tropa espanhola caiu sobre o povoado causando grande estrago e escravizando aos prisioneiros sobreviventes.

Fundou-se uma segunda cidade sobre o povoado conquistado, chamada Divino Espíritu Santo, e a maioria dos invasores trasladaram-se a ela, ficando só uma pequena guarnição continuamente relevada na primeira, que nunca passou de ser apenas um forte. Houve uma assembléia militar para deliberar se desmantela-lo e concentrar-se todos na nova cidade, muito mais agradável. Porém, depois de alçados contra a coroa, vencidos e perdoados, aqueles soldados desejavam cumprir com exatidão as ordens do Imperador. Assim decidiu-se seguir mantendo o forte como demarcador da fronteira com os portugueses, para impor-lhes respeito se algum dia acabassem chegando desde o litoral Atlântico, já que se supunha que a sua Capitania de Salvador, a mais importante delas, devia estar justo a Oriente, ainda que era difícil calcular a que distância. Desde o início o Comandante deu ordem terminante de respeitar a legitimidade concordada e não adentrar-se para nada no território do Império vizinho, da mesma maneira que não se deveria permitir a entrada sem permissão nem controle aos lusos que sem dúvida acabariam por chegar algum dia do leste.

Para esse tempo, Pirí já era considerada por todos como a companheira permanente do Comandante Alonso Pita, que tinha começado a se apaixonar dela após a morte do antigo chefe e que finalmente conquistara o seu carinho, não pela autoridade e a força, como tentara ele em vão, senão mediante cortesia e bom trato. Desde então, e por ordem sua, as mulheres dos soldados vestiam roupas mais ou menos ocidentais, uma espécie de túnicas que confeccionaram, e aprendiam a língua de Castilha, a oficial da Espanha, e a Religião cristã. Quando o comandante espanhol conseguiu comunicar-se com palavras com ela, o seu respeito pela ex-sacerdotisa de Samaipata elevou-se muitos graus, porque percebeu que não se tratava de nenhuma inculta selvagem, senão de uma mulher sensível e de classe, muito mais refinada que o resto das suas gentes, inteligente, iniciada a uma filosofia da vida e a uns valores éticos que, formas externas aparte, não semelhavam menos profundos nem nobres que os do Cristianismo, o que permitiu a Pirí entrar facilmente no seu espírito, compreender os seus princípios, e transmiti-los em sua linguagem polida e profunda ao resto das suas companheiras.

Nos seus momentos de intimidade com Alonso e nunca em público, até atreveu-se Pirí a ressaltar ás vezes, muito discretamente, as evidentes contradições entre a teoria e a prática dos únicos cristãos que conhecia, sobre tudo nas suas relações com a povoação indígena vencida, contradições que o chefe branco não teve mais remédio que admitir com digna humildade e pedindo compreensão. Uma coisa era a santidade e a induvidável veracidade das crenças religiosas e do código de honra que os homens receberam dos seus antepassados no seio da civilização, e outra, os apetites do corpo junto à guerra, a aventura e a morte, o instinto de sobrevivência em um mundo tão selvagem, o fero impulso dos guerreiros, sempre tenso, e o onipresente egoísmo, vaidade e cobiça do ser humano.

A sacerdotisa premiava a sinceridade do seu amante aceito com uma entrega cada vez mais apaixonada e afetuosa. A sua vez, começou expor ao seu companheiro, e também para León que, era um espírito amigo e curioso, as suas concepções éticas e religiosas e a sua maneira de ver e viver a vida. Ambos camaradas tratavam de entendê-las por amor e simpatia e de explica-las depois à luz da razão da religião e da civilização da que procediam. Como tinham perdido ao único padre na batalha, ninguém estava lá velando pela pureza da Religião, assim que o Capitão Pita mesmo encarregou-se de dirigir os seus ritos e cerimônias, mas de uma maneira muito tolerante, já que estava convencido de que tanto aqueles soldados que comandava como os nativos, tinham que harmonizar-se e entender-se num âmbito bem distante da maior parte da Cristandade.

CAPITULO 4: TIARÍ - TEREZA

Foi Pirí, também, quem primeiro interessou-se em socorrer, ajudar e suavizou as desgraças da população nativa subjugada e quem antes tentou aprender a compreender a sua língua. Através da abertura dela aos infelizes vencidos, conseguiu saber que existia uma comunidade de pessoas nativas dedicadas à vida espiritual e a ministrar ensinos, conselhos, consôlo, comida e cura aos habitantes da região que os procuravam. Moravam em um vale estreito formado por um rio que descia em belas cachoeiras desde as montanhas. Nada falou Pirí deles aos espanhóis, mas coincidiu que aqueles mesmos dias Alonso e Leão, explorando rios em procura de novas possíveis jazidas d´ouro, voltaram contando que encontraram uma gente tão linda, que fazíam uns trabalhos tão cheios de consciência, arte e beleza, em um lugar tão apazível, que Pirí entendeu que deram, por azar, com a tal comunidade.

Para a sua surpresa, León estava totalmente mole e sonhador e acabou confidenciando-lhe que não podia deixar de pensar em uma maravilhosa jovem que lá conhecera. Pirí pediu a Alonso que a levassem a conhecer aquele lugar, e foi comprazida. Os indígenas o chamavam O Recanto Sagrado. Foram de novo muito bem recebidos e Pirí reconheceu lá com grande contento algo não muito diferente (ainda que pertencente a outra cultura), à comunidade que cuidava do seu antigo e sagrado Centro Cerimonial de Samaipata. Aquelas gentes seguiam os ensinos ancestrais do iniciador Sumé, que era, sem dúvida, o mesmo Zumé que deu cultura aos Guaranis ao longo dos antiqüíssimos caminhos de nomadeo do Peabirú que subiam até a sua terra natal, o mesmo Mestre Espiritual a quem os Incas tinham chamado Viracocha. A moça que tinha causado tanta impressão em León se chamava Tiarí e era uma das sacerdotisas mais avantajadas, apesar da sua juventude, e parecia tão linda como inteligente, profunda e decidida.

Pirí atuou então como intérprete entre ambos os jovens, facilitando ainda mais a sua aproximação que já o instinto e a intuição deles propiciava intensamente desde que se conheceram. Sobre tudo, deu a Tiarí o velho conselho feminino de que se fizesse valer todo o possível antes da entrega, para fazer-se possuir possuindo ao possesor, e a León que a conquistasse contendo os seus impulsos e ganhando-a lentamente com suavidade, poesia e paciência.

Pirí ficou informada, ganhada a sua confidencia com igual paciência, que as pessoas da comunidade eram as guardiãs de um tal Labirinto da Montanha, e conseguiu que Tiarí prometera levá-la até lá. Já tinha igual confiança no amor do seu companheiro e na sensibilidade de León como para contar-lhes sobre o lugar sagrado descoberto, esperando o seu respeito, e assim, pouco depois, os três passaram dois dias percorrendo fascinados aquelas alturas, contemplando com assombro todo um Centro Cerimonial feito pela própria natureza num deserto do alto da montanha, o qual tinha muito a ver na sua estrutura com o de Samaipata que Pirí e a sua comunidade guardaram antes da chegada dos espanhóis.

A partir de então, aumentaram as visitas de ambas as duplas, juntas ou separadas, à Comunidade do Recanto Sagrado e ao Labirinto da Montanha, onde o tempo parecia deter-se.. Alonso Pita simplesmente sentia ali a paz e a aceitação que os ressentidos índios da cidade conquistada não lhe concediam, mas León era no fundo um poeta. No espelho da alma ancestral de América, re-descobria a alma ancestral do seu próprio povo e origem. Tiarí finalmente entregou-se a ele, não sem antes fazer-lhe aceitar o compromisso de que teriam uma relação de igualdade, cada um sendo o convidado do seu amor, tanto quando ela passar dias com ele na cidade, como quando ele vier ao Recanto Sagrado.

Entretanto, Pirí ficou grávida. Tiarí acompanhou-a muito antes e depois do parto, e fizeram-se amigas inseparáveis. Com o tempo, aprendeu por médio dos ensinos que a sua comadre lhe dava, que não havia contradições entre a essência da doutrina de Cristo e o fundamental do recebido dos seus ancestrais, e finalmente pediu ela mesma ser batizada com o nome da própria mãe de León, Tereza, mesmo que no seio da comunidade seguia sendo para todos a sacerdotisa Tiarí. Quando Pirí deu a luz o seu primeiro filho, o batizaram com o nome de Carlos, continuando a homenagem ao Imperador que os tinha perdoado e enviado alí. León e Tereza foram os padrinhos

Também Tereza engravidou pronto de León, e nove meses depois deram ao seu primeiro filho o nome do seu padrinho, Alonso, sendo Pirí a madrinha.

Passava o tempo e corria a vida. Divino Espíritu Santo converteu-se em toda uma bela e próspera cidade e cada ano se comemorava a sua fundação com uma exibição de cavalaria e com um torneio coletivo, semelhante a uma batalha incruenta, na qual a metade dos espanhóis se fantaseavam de cristãos e a outra metade de mouros, como aludindo à reconquista da Península Ibérica, para não aumentar o ressentimento da população índia submetida, que, de todas maneiras, identificava-se sempre com os mouros.

Tereza teve o seu segundo filho, que foi chamado Jaime. Também nasceu o segundo filho de Pirí, já com 28 anos ela e Alonso 33, a quem chamaram Gonzalo, como o último dos Pizarros, o antigo comandante, de saudosa lembrança.

O terceiro de Tereza, quando ela já cumpria 25 anos e León 30, chamou-se Octavio. O terceiro filho de Pirí recebeu o nome de Jeremías, porque esse nome estava aí quando Alonso abriu ao azar a Bíblia. Igualmente foram nascendo muitos outros filhos de espanhóis, tanto no asentamento do norte como no do sul, e tudo parecia ir bem, ainda que não tanto para os indígenas, cada dia mais escravizados aos garimpos, aos quais se tinha que vigiar muito para impedir fugas ou sublevações.

Porém, um dia, quando já tinham acumulado muito ouro e estavam pensando como enviá-lo a Espanha, junto com o quinto de El-Rei, para pedir-lhe que lhes permitissem voltar por fim a desfrutar do ganho, porque não tinha sentido estar vigiando aquele afastadíssimo lugar... chegaram os primeiros portugueses.

CAPITULO 5: OS BANDEIRANTES

Eram dois brancos, quatro mestiços e o resto onze índios bem armados que falavam línguas ignotas. Levavam consigo a uns trinta indígenas de todas as idades acorrentados. E não vieram do Leste, como se esperava, das remotas Capitanias do litoral Atlântico, senão do Sul, remontando os rios grandes em canoas ou caminhando pelas suas margens.

Os espanhóis souberam da sua chegada porque foi precedida do espanto dos índios que habitavam o sul da região, e que vieram postar-se ante o Comandante Pita para suplicar-lhe que os protegessem, impedindo que fossem raptados e acorrentados, como tinha sucedido com os seus vizinhos mais ao Sul.

Houve uma Assembléia de Oficiais - "Nossos índios são nossos e não dos portugueses" -falou Alonso Pita-. E parece que eles estão vindo do lado do Sul, mas por dentro do nosso lado da Linha. Vamos proteger os vasalos do Imperador dos escravistas estrangeiros."

Plantou-se uma armadilha estratégica num povoado abandonado, deu-se um curto combate sem mortos e, em pouco tempo, os bandeirantes portugueses foram rodeados e rendidos por tropas européias que nem sonhavam encontrar naquele remoto fim do mundo. Uma vez desarmados, os dois brancos lusos foram tratados com toda fidalguia, quase mais como hóspedes que como prisioneiros.

Por eles souberam os espanhóis que de todas as capitanias portuguesas no Atlântico, a de São Vicente, no Sul, era a única cujos pioneiros, ante a pobreza do litoral, tinham-se atrevido a penetrar no interior do continente, assim como a fundar um assentamento arredor de uma missão jesuítica que levava o nome de São Paulo de Piratininga. Essa vila estava em território luso, mas vizinha ao final sul da raia que separava na América os dois Impérios. Realmente os portugueses tiveram pouca sorte no que lhes correspondera das Índias Ocidentais. Não se tinha achado grande coisa de valor, nem impérios organizados como os dos Aztecas ou Incas, nem metais preciosos, nem sequer um território adequado à agricultura ou pecuária, senão apenas puro mato emaranhado, natureza bruta, povoado escassamente por tribos de canibais completamente bárbaros. Portugal, um pais com pouca população, concentrado em canalizar para Europa, através do controle de uma distante rota intercontinental, as apreçadas mercadorias da Índia, pouca atenção podia desviar para aquele litoral afastado de tudo que apenas servia para extrair dois tipos de produtos: uma madeira que usava-se para tingir de vermelho, chamada Pau Brasil, e os escravos indígenas que os bandeirantes de São Paulo logravam capturar e levar para serem vendidos como não demasiado útil mão de obra nas capitanias da costa onde começava-se a plantar cana de açúcar..

Depois de um tempo captando deles e dos seus homens todas as informações possíveis, a Assembléia Militar decidiu que, dado que naquele momento reinava a paz entre os dois impérios ibéricos, era melhor permitir o retorno dos paulistas à sua base, naturalmente despojados das presas que tinham feito ilegalmente no domínio hispano. Até era muito bom que avisaram aos seus que as fronteiras espanholas estavam bem controladas e que, pelo seu bem, deviam conformar-se com rapinar dentro do seu próprio território e não ultrapassá-las.

León Osorno recebeu do comandante Pita a ordem de chefiar o grupo de ginetes que escoltaria aos bandeirantes durante uma parte do seu caminho até o Sul, aproveitando para conhece-lo. Estabeleceu-se um prazo de duas semanas para voltar. Quando a escolta, ao fim, retornou, contando que o território percorrido se parecia muito ao do norte de Castilha, de novo convocou-se Assembléia Militar, da qual saiu a decisão de enviar ao mesmo León com soldados e índios a que levantassem um entreposto de vigilância fortificado, como um avanço, num lugar estratégico que controlaria o caminho ao norte dos paulistas. Alonso lamentava separar-se do seu ajudante e amigo principal, mas em ninguém podia confiar como nele, para uma missão de tal importância comprovada. Pirí e suas amigas da Comunidade do Recanto Sagrado estavam desconsoladas de ter que separar-se de Tereza, mas ela já não tinha a menor dúvida, tanto desde o ponto de vista da sua religião ancestral como da cristã, que era a família mais íntima de León e onde León tivesse que ir, a sua família com ele iria entanto que ambos tivessem vida..

CAPITULO 6: CONSTRUINDO O CASTELO

Assim foi como um dia León, Tereza e seis espanhóis mais, com as suas mulheres indígenas, com os seus filhos e com os seus ajudantes e portadores, escolheram para estabelecer o seu forte um monte que dominava com boa vista o caminho do Sul, em uma zona bem apta para agricultura, verde e sadia de clima, não longe da qual se levantava, dominando um córrego, o povoado de uma tribo local, chamado por eles Goianapi, que anteriormente sofrera a captura de vários dos seus membros pelos bandeirantes e que agradeciam muito que os espanhóis os tivessem liberado. Desde o primeiro dia o seu diplomático chefe, Juil, e os membros do Conselho, vieram dar-lhes as boas-vindas, a intercambiar presentes com eles e a aceitar a vassalagem daquele mítico cacique branco de além-mar chamado o Imperador Carlos, a quem diziam servir aqueles fortes tenazes e bem organizados guerreiros que asseguravam estar ali para proteger-lhes.

León era um criativo e, tendo achado boa quantidade de pedra naquele morro, decidiu levantar no alto dele um forte, com a ajuda dos índios goianapis, que se parecesse ás torres de entrada daquele vasto castelo medieval dos Cavaleiros Templários da sua Ponferrada natal.

Pouco antes de começar as obras, Tereza, que, apesar de batizada, jamais tinha renunciado a sua sentida espiritualidade de Sacerdotisa de Samaipata, subiu do acampamento ao morro no alvorecer e pediu licença para o seu estabelecimento a todos os espíritos que o povoavào. Durante o tempo que permaneceu intuitivamente conectada e meditando, sentiu poderosas presenças no lugar, mas todas elas acolhedoras e harmônicas. Saiu daquela meditação com a imagem subconsciente de que aquele morro era uma escadaria ao céu, um ponto de contato com os guias celestes que desde sempre, iniciaram na arte de ser o Pleno Ser em toda potencia às pessoas sensíveis da sua cultura, e o seu entusiasmo acendeu mais ainda o de León quando o capitão começou a dirigir o traçado dos alicerces do castelo. Colocadas as primeiras três linhas de pedras, León, vestido de gala e de espada na mão, oficiou o antigo ritual de fundação da fortaleza no nome do Imperador, um ritual que se remontava aos velhos tempos dos Romanos, conquistadores e civilizadores da Europa, o que foi seguido de uma grande festa. Aquela noite, depois do amor, outra vez sonhou Tereza com uma escadaria que levava a uma porta luminosa aberta no céu, lá sobre o alto do morro. Pouco depois se inteirou de que estava grávida. O seu companheiro ficou muito contente ao saber, e passou a considerar o castelo, não como uma fortificação a mais das muitas que tinha colaborado em levantar durante a sua carreira, senão como o mundo especial onde ia criar-se o seu filho.

Como durante vários meses do ano havia seca na região, León decidiu construir a fortaleza de tal maneira que não se perderam as águas abundantes da estação de chuvas, senão que acumulasse todas as possíveis. Assim, mandou cavar valas contra a erosão arredor do lombo do morro e criou um complexo sistema de captação e canalização que acabava por armazenar os líquidos numa barragem edificada entre as duas elevações mais altas, ao pé do castelo. Muito se demoraram em levantar, fileira sobre fileira, aquela edificação, e, entretanto, o acampamento dos espanhóis e dos seus colaboradores indígenas foi-se convertendo num povoado ao pe do morro, assomado ao córrego .

Tereza confraternizava positivamente com todos e influía sobre a boa sensibilidade de León. Quando ela deu à luz a Maria, a quarta dos filhos, o Comandante Alonso Pita, veio desde o norte com Pirí para celebrar aquilo que eles ainda não tinham conseguido, uma menina. Com a sua permissão, León concedeu, dentro da celebração, a liberdade a todos os auxiliares forçosos que tinha capturado em combate, os quais já não eram imprescindíveis desde que se podia contar com a colaboração voluntária dos nativos locais. A metade deles voltou em grupo ás suas terras e famílias, mas a outra metade escolheu permanecer no novo assentamento como seus povoadores livres.

Esse ato melhorou muito a imagem dos brancos ante a comunidade local e alguns dos seus membros montaram cabanas provisórias, e depois permanentes na cidade, que ainda que tinha sido batizada como Nova Ponferrada por León, acabou sendo nomeada pelos indígenas como Teré, que era como chamavam a Tereza, a esposa do cacique branco. Resultou que, para os goianapis Terê era o nome da donzela das florestas, filha da Mãe Terra, Goia.

León comentou, depois que contaram a história de Terê à luz da fogueira, representando-a teatralmente à maneira deles, que o mito se parecia ao de uma deusa da Lua dos antigos romanos chamada Diana Caçadora. Tereza disse que Terê não era um mito, senão o espírito mesmo da Lua Crescente, um ser real e muito importante, já que influenciava no crescimento de todos os seres vivos. Ele tolerava todas aquelas ingênuas crenças dela porque sabia que, para Tereza, todas aquelas entidades só eram as infinitas caras sob as que o único Deus Verdadeiro se manifestava no mundo natural.

Os bandeirantes nunca voltaram a aparecer e tampouco vinham notícias ruins do norte. Cada três meses chegavam quatro ginetes a trazer a parte do ouro garimpado que correspondia aos espanhóis da Nova Ponferrada e depois voltavam a partir.

Por fim um dia se pôde plantar a bandeira imperial numa das duas torres mais altas e a cruz na outra. Abaixo, o conjunto se espelhava numa lagoa artificial. O Comandante Alonso Pita, Pirí e um terço dos espanhóis da cidade de Divino Espíritu Santo, com as suas mulheres, vieram celebrar a inauguração, e todos os amigos e amigas estavam encantados de reencontrar-se. Aquela mesma noite Tereza teve uma nova visão de uma grande escadaria de pedra entre a lagoa e o castelo, e, sobre o resto do lombo do morro, um centro Cerimonial que era como una mistura do que Pirí lhe contara de Samaipata e daquele Labirinto de Pedra que guardava nas montanhas do norte a Comunidade do Recanto Sagrado.

CAPITULO 7: AS MIRAÇÕES

Quando, à manha seguinte, ela contou o seu sonho a Pirí, a sua companheira sacerdotisa disse, surpresa, que tivera um sonho bastante semelhante. Então, aproveitando que os brancos estariam celebrando uma Assembléia Militar durante dois dias, pediram licença para confraternizar com os indígenas do povoado local vizinho num grande festival que iam ter esses dias, o que lhes foi concedido pela confiança dos seus homens. Uma vez chegaram nele, e depois de ter falado com o cacique Juil e os xamães, ingeriram ritualmente a bebida de poder chamada Ayahuasca que lhes permitia sair das limitações do corpo físico e entrar em contato direto com os seus antigos guias da dimensão astral.

Intensas e sentidas foram as visões sobre o lugar que os seus mentores celestes proporcionaram a ambas sacerdotisas. Apesar de que cada uma estava fazendo uma viagem pessoal dentro da sua mente, existia certa conexão telepática entre o transe de cada uma. Assim, as duas puderam contemplar, logo de penetrar numa dimensão oculta da realidade, tal como se passassem através das águas da barragem, os sete andares da pirâmide levantada na antiguidade por indicação do Iniciador Sumé, branco e barbado, chegado do céu numa grande canoa circular que voava, até o centro daquele planalto que era o coração do continente, para dar aos humanos uma orientação e uma limpeza da consciência do mundo, quando a mentalidade do período anterior já muito degradada, não estava servindo mais para que a luz do Ser brilhasse através das pessoas sensíveis.

Puderam dessa maneira resgatar antigas memórias que se remontavam a milhões de anos atrás, quando os seres humanos chegaram das distantes estrelas, e lembraram como tanto a comunidade do Centro Cerimonial de Samaipata como a do Recanto Sagrado e outras mais, até doze, tinhan sido criadas sobre as terras que sobreviveram ao dilúvio de água e de fogo e ao passo terrível da Grande Besta Cíclica que varreu os céus, fazendo tremer a terra e gemer o mar. Lembraram como sobreviviram aos três dias da Noite Escura que precedeu ao Tempo da Mudança Total. Lembraram como aguentaram sob a inspiração e proteção das entidades espaciais que são nós mesmos nos círculos mais próximos à origem da Espiral da Manifestação, lembraram como aquelas comunidades foram durante muitos anos depois as estrelas jovens que iluminaram um novo amanhecer para os sobreviventes, e entenderam as circunstâncias das histórias remotas e atuais das suas vidas e missões, até que os estrangeiros chegaram e todo o seu antigo mundo balançou. Mas não era o balanço definitivo ainda, senão apenas a sua preparação.

Tudo aquilo tinha sido necessário para que se juntassem no alto daquele morro e daquele planalto as essências místicas da alma ancestral e indígena daquela terra, das quais eram elas guardiãs, com a da Nova Era que uma vez mais chegava ao cabo de dois milênios e meio, junto com seus companheiros brancos, cuja própria ancestralidade ficava representada pela edificação daquele castelo templário sobre a pirâmide indígena, oculta desde séculos sob a terra das fraldas do morro.

Na sua visão, o céu virou chumbo avermelhado e encheu-se de rochas de gelo que caiam furiosas do alto. O horizonte foi coberto por uma enorme onda que avançava devastando-o todo, milhões de refugiados, fugindo das inundações, cobriram de carentes acampamentos as margens dos caminhos do planalto, e elas, junto com o seu grupo de amigos e parentes, iam de um lado a outro socorrendo-os quanto podiam. No alto da pirâmide, abriu-se na sua miração conjunta a porta central do quintal do castelo e apareceu por ela o iniciador Sumé, revestido dos símbolos de uma Tradição antiqüíssima e estelar, que era ao tempo mãe tanto da indígena como da cristã como de outras surgidas sobre o lombo do mundo ou abaixo dele, e mesmo em outros mundos habitados.

Sua voz ressoou no subconsciente coletivo e arquetípico que conectava na origem a mente de cada uma delas ao tempo que todas as mentes: "Quando já uma nova raça esteja formada pelas misturas resultantes dos vossos descendentes com os brancos e com muitos outros sangues, cores e culturas de todas as partes vindas, a necessidade urgente de salvar a raça síntese planetária da destruição de todo o sistema imperante que as contradições das velhas mentalidades produziram, se gerará uma nova sensibilidade e mentalidade de convencido respeito pela maravilhosa diversidade da vida... Então este lugar converterá-se num vórtice energético que atrairá dos mundos e dimensões todas aos construtores da Grande Mudança e do Mundo Possível que por tanto tempo sonharam, entanto que os retrasados se estagnan por um tempo mais no mundo de estagnação que elegeram criar e vivenciar, ainda que terão que partilhá-lo com os recém ascendidos a essa esfera desde a esfera do primitivismo. Fiquem guardando, cada uma no seu lugar, a semente desse evento, e voltarão a acompanhar ativamente o seu alumbramento quando a grande ocasião chegar, já seja como facilitadoras no mundo físico o como guias inspiradoras na dimensão astral".

Tereza e Pirí despediram-se quando a comitiva do Comandante Pita estava pronta para voltar ao norte, mas já sabiam que para sempre ficariam intimamente ligadas pela missão, agora esclarecida, que as fez iniciar um dia juntas a sua nova aprendizagem, que as tivera colocado, por procedimentos inesperados e até violentos, no centro ancestral do planalto, depois de longa e arriscada peregrinação, ademais de toda uma adaptação à aquela nova mentalidade vinda do outro lado do mundo e que, em diante, iria dirigir o seu rumo conjunto.

CAPITULO 8: A PARTIDA DE ALONSO

Passaram os anos e nunca mais voltaram a ter notícias de portugueses pela região. Um dia, o comandante Alonso Pita apareceu pelas portas do castelo acompanhado do seu filho mais velho e da metade dos seus homens, todos eles armados até os dentes, que carregavam sobre cavalarias uma boa parte do tesouro em sacas d’ouro que tinham logrado acumular garimpando no rio do norte. Teve uma longa assembléia com os brancos da Nova Ponferrada e comunicou-lhes que tentariam seguir o caminho dos paulistas para o sul até chegar aos assentamentos espanhóis na região do Rio da Prata, porque era absurdo ficar guardando mais anos uma fronteira remota pela que ninguém aparecia, ao tempo que acumulavam uma enorme riqueza que naquela solidão só tinha o valor de pedras brilhantes e não servia para comprar coisa nenhuma. O comandante tinha nomeado a um segundo oficial para que ficasse vigiando a cidade de Divino Espíritu Santo e o seu rio de ouro, mas dera-lhe ordens de dar contas da sua gestão ao Capitão León pelo tempo que durara a sua ausência. Esperava poder viajar a Espanha a entregar ao Rei o quinto do ouro que lhe correspondia, e conseguir, por isso, a concessão e a governação daquelas terras no seu nome, ao tempo que licença para passar um tempo na Europa intercambiando o ouro ganho por produtos da civilização. Alonso prometia também recrutar um exército de espanhóis que lhes permitissem asenhorar-se e povoar todas as terras ao ocidente da Linha de Tordesilhas que existissem entre o seu planalto e as primeiras avançadas hispanas que eles encontrassem no sul.

Quando, depois da Assembléia, Tereza perguntou-lhe por que não levava com ele a sua companheira, Alonso respondeu que Pirí tinha ficado muito delicada depois de umas febres, e que de jeito nenhum podia levá-la a uma expedição tão arriscada naquelas circunstâncias. Encomendou-lhe que procurasse visitá-la algumas vezes e prometeu retornar tão pronto fosse possível.

Assim o fez Tereza, quanto antes. A primeira vez serviu a Pirí de enfermeira, a segunda esteve uma semana com ela e os seus filhos no Recanto Sagrado, porque a sua amiga já não achava o menor gosto em morar naquela cidade sem sentir perto a presencia do seu amado, é mais, desde a sua partida, os seus oficiais tinham intensificado e endurecido a exploração dos indígenas, tentando duplicar a extração de ouro, em uma verdadeira obsessão por enriquece-se antes de que o comandante retornasse.

Na sua terceira visita, Tereza acompanhou Pirí a um retiro de vários dias no Labirinto da Montanha, com jejum de água e comida, e a uma nova ingestão ritual de Ayahuasca, onde ela entendeu, às luzes da miração, o sentido profundo da caminhada arquetípica pela trilha evolutiva que aquele lugar mágico representava. Quando regressou de lá, transmitiu ao seu companheiro a sua vivência de uma maneira tão lúcida e tão sentida que o capitão espanhol, longe de reagir com preconceito, pediu experimentar aquela bebida sagrada. Tereza preparou, com a colaboração do amável cacique Juil, uma discreta sessão na aldeia indígena vizinha.

A partir dela, León ingressou definitivamente num âmbito de admiração, compreensão e profundo respeito pela sabedoria ancestral da raça indígena do continente. Aquela iniciação também lhe trouxe ser muito mais aceito que antes por parte da elite da população nativa do território. Desde então se misturou muito mais com ela, vinculou-se formalmente como irmão de sangue do chefe Juil e converteu-se em convidado de honra de todas as celebrações e cerimônias sagradas que os Goianapis faziam.

Nos seus momentos de folga, ambos amantes saíam a cada vez mais a cavalgar juntos pelas espessas florestas do coração verde da região, às margens do ribeirão que os naturais chamavam na sua língua algo que ao tempo significava Rio da Branca, Rio do Leite ou Rio da Lua. Algumas vezes, tomando banho nas suas águas, nú como um índio, junto a nudez felina de Tereza, rodeados de toda a exuberância da floresta primária e da música incessante e diversa dos seus milhares de criaturas sonoras, León sentia a benção de estar vivendo no Éden de Adão e Eva, muito antes de que aparecesse o primeiro e pior pecado sobre o mundo: a ilusão da vaidade, que produziu esquecimento e afastamento da simplicidade natural, com as suas seqüelas peçonhentas de sentimentos de vergonha e culpa profunda.

Depois daquelas excursões, quando retornava ao castelo, à sua personalidade formal e às rotinas de chefe militar, parecia-lhe encontrar-se representando uma absurda peça de teatro. Um teatro artificioso e estrangeiro que não tinha nada a ver com o mundo real que acabava de desfrutar junto à sua amada, no mundo real dela. Nesses momentos, dava graças a Deus porque o seu amor com aquela mulher era a sua relembrança da realidade esplêndida da América Original e o seu despertador e chave permanente para sair do desgraçado e quadriculado encantamento que a mentalidade européia conhecia como normalidade.

Foi em um daqueles momentos que Tereza pediu a León que a ajudasse a fazer um parque no lombo do morro que se estendia ao pé do castelo. Um parque com duas leituras, dependendo do nível de realidade em que navegasse a consciência do observador, no seu presente interno e particular. Para a maioria, um espaço ajardinado por onde passear entre beleza natural e alguns detalhes de arte com uma ampla panorâmica ao redor. Para a minoria de iniciados que têm olhos para ver e para as pessoas com sensibilidade intuitiva, um percurso meditativo através de uma trilha que representasse as estações da caminhada evolutiva e da aprendizagem profunda do ser humano sobre a Vida, desde o esquecimento de si até a entranhável relembrança. Deveria ser uma mistura das essências do Centro Cerimonial de Samaipata e do Labirinto da Montanha e, ao tempo, algo que incluísse o mais limpo e autêntico que a Nova Era tinha trazido à América com os brancos. Algo que qualquer cristão pudesse sentir como desenhado pelo próprio Mestre Jesus como se fosse a materialização de muitas das suas sábias parábolas formando uma seqüência que mostrasse o sinuoso caminho ao Reino de Luz do seu Pai.

Durante muito tempo estiveram entregues àquela construção; quase dois anos. Seus filhos e os Goianapis da sua turma eram seus mais entusiastas e criativos colaboradores. Às vezes foram acompanhados por Pirí e algumas das suas melhores amigas do Recanto Sagrado. Más nunca chegaram ter notícia alguma do capitão Pita nem dos seus companheiros.

Porém, os primeiros brancos que voltaram aparecer, muito tempo depois, pelo sul, não foram nenhum deles. Eram de novo os portugueses.

CAPITULO 9: A UNIÂO IBÉRICA

Eram os mesmos dois portugueses que tiveram sido apressados no passado, mas vinham em paz e acompanhados de um oficial espanhol procedente, segundo disseram, de um assentamento crescente criado bem ao Sul com o nome de Nuestra Señora de La Asunción, acompanhados todos por bom número de auxiliares mestiços e índios. O oficial, um catalão chamado Pere Palau, apressentou as suas credenciais e uma carta do Tenente General ou Governador da sua Majestade Real, Don Felipe II, na província do Paraguai, representando-o em nome do Adiantado do Prata, que se encontrava retido no Peru por uma longa demanda judicial. O Governador acrescentava que o Imperador Carlos tinha sido sucedido há tempo por seu filho, que agora era, não só rei de todos os reinos da Espanha, senão também de Portugal...que ambos impérios ibéricos unidos formavam agora uma só nação de âmbito mundial, tanto que jamais chegava a por-se o sol no vastíssimo domínio de Don Felipe Segundo.

Portanto -seguiu o oficial- e para glória de Deus, já não havia portugueses nem espanhóis, senão só ibéricos com livre capacidade de circulação e assentamento por todo o continente. A velha Linha de Tordesilhas ficara obsoleta e já não era preciso seguir guardando-a. O Comandante Pita tinha-se embarcado com os seus homens e ouro para Espanha e, entanto não obtivesse do Rei a concessão da Governação do Planalto e da exploração do ouro, o oficial do Governador de Asunción vinha tomar posse dele e dos seus garimpos para a Coroa por ser o representante real mais próximo, já que ainda continuava impossibilitada a comunicação entre as novas terras e o vice-reino do Peru.

O Capitão León e os seus homens estavam atônitos. Tantos anos depois voltava a repetir-se a mesma historia que no passado fizera-os rebelar-se no Peru contra um Monarca que enviara a um gris funcionário seu, dotado de credenciais que o facultavam a tomar posse de tudo quanto os guerreiros tinham conquistado com seu esforço e seu sangue corajoso. Perguntou que ia acontecer com os seus direitos.

-O seu Comandante Pita seguramente conseguirá de El-Rei que os referende como vocês merecem -respondeu o oficial diplomaticamente- Entretanto, vocês estão às ordens do Tenente General Governador de Paraguai que lhe facilitou o seu salvo-conduto e as melhores recomendações para A Sua Majestade, pedindo-lhe que esquecesse a sua antiga infidelidade em troca do bem que nos últimos tempos lhe serviram. Esta é outra carta do Comandante Pita ordenando-lhes que acatem as ordens do Governador até a sua volta. Ele não está senão seguindo o procedimento legal. A lei diz que todas as terras descobertas e povoadas pelos seus vassalos pertencem ao Rei, assim como todos os minérios preciosos que se contenham nelas. Vocês podem ir embora daqui com o que merecidamente ganharam até hoje ou continuar povoando o território, desfrutando das obras que fizeram e garimpando ouro. Se vão embora, os meus homens os substituirão. Se decidem ficar, só têm que acatar as ordens do Governador de Paraguai até o seu comandante voltar e enviar a ele a sua parte mais o quinto destinado ao Rei. Se vocês cumprem bem, o Tenente General seguramente estará muito contente de que continuem administrando esta terra no seu nome e até de auxiliar vocês quando chegarem a precisar qualquer classe de ajuda.

A carta de Alonso Pita era uma ordem formal do Comandante aos seus subordinados, seguramente redatada pelo próprio Governador. A assinatura era autêntica, o pulso firme como sempre. León passeou a mirada pelos olhos de cada um dos seus fieis. Em todos eles se lia que não se podia seguir lutando contra o inevitável.

-Se o nosso Comandante o ordena, não temos mais que acatá-lo -concedeu-. Mas diga, por que razão vem você acompanhado por esses dois portugueses que a gente teve que apressar no passado por acha-los escravizando vassalos do Imperador?

-Meu amigo -contestou o oficial Palau com um sorriso- não lhes chame portugueses, porque agora eles são súbditos leais do mesmo rei que você e eu. Caiu para sempre a Linha de Tordesilhas... e isso que você menciona aconteceu já fazem demasiados anos, em circunstancias muito distintas às de agora, está prescrito. Estes cavaleiros são dois rico-homens de São Paulo que tem feito muitos bons negócios com o Governador e insistiram em acompanhar-me porque desejam fazer prospecções mineiras por este planalto. Trazem com eles a um bom grupo de garimpeiros expertes.

-Eles vão garimpar nas terras que nós conquistamos?-Quase fervia a voz de León.

-Eles trazem um contrato com o Tenente General do Paraguai, representante legal do Adelantado do Prata, representante, à sua vez, do vice-rei do Peru, para fazer novas prospecções no território que está sob a sua jurisdição -corrigiu o oficial com a sua mais suave voz- um contrato como o que qualquer espanhol ou português pode conseguir do administrador legal do território que representa ao Rei nosso Senhor. Entendo que lhe custe acostumar-se, isto é muito novo ainda para você. Mas vivemos num novo mundo, graças a Deus, onde as duas nações irmãs, por tanto tempo separadas, voltam a ter o mesmo amoroso pai, que não faz distinções entre os seus filhos. Dentro de cem anos mais seguramente já não se falará, de Panamá ao Prata nem Espanhol nem Português, senão uma mistura de ambos, para bem de todos os nossos descendentes.

No dia seguinte, o novo Comandante nomeado pelo Governador seguiu com a sua comitiva para Divino Espírito Santo e León foi com eles. A sua chegada à cidade do norte foi uma comoção. Nenhum dos espanhóis que ali moravam desejava permanecer mais nela, longe do mundo onde o seu ouro virava poder. Preferiam ir embora para sempre dalí com o ganho, que calculavam que lhes alcançaria para viver como nobres o resto das suas vidas, do que continuar guardando o rio de ouro naquele fim do mundo, especialmente agora que a Linha de Tordesilhas ficara obsoleta e eles relevados da sua missão pelo oficial do Tenente General, que estendeu salvo-condutos e recomendações para cada um, em troca da sua renúncia escrita aos direitos sobre o garimpo e as terras conquistadas. León teve que despedir-se de todos os seus antigos companheiros, que formaram uma alegre tropa com os seus portadores carregados de valiosíssimas caixas e sacos à lombo das cavalarias. Ninguém ia montado para que as bestas pudessem transportar mais riquezas.

Ao ver que não ficavam ali outros brancos senão os homens do Governador, León considerou que era o seu dever permanecer com eles como garantia dos direitos de Alonso Pita e os seus companheiros até que voltassem, e impediu por todos os meios pacíficos possíveis que os garimpeiros dos portugueses iniciassem as suas prospecções no mesmo rio onde eles o tinham feito, dando-lhes dicas sobre outros rios da região onde podiam começar as suas pesquisas. Por um dos espanhóis que voltava deu instruções à Tereza e os seus homens de que se demoraria um tempo em Divino Espíritu Santo. Pirí esteve umas semanas compartilhando com ele, mas Pere Palau lhe dedicava umas miradas tão intensas quando se cruzavam, que acabou preferindo retirar-se ao Recanto Sagrado, onde sentía-se bem em casa com as suas companheiras da comunidade.

O Comandante Palau e os seus homens continuaram dirigindo, cada vez com maior afão de lucro e despotismo, o governo da cidade e a garimpagem no rio, no nome do Governador e do Rei, e deu a León um documento no qual se prometia reservar e respeitar os direitos e a parte dos conquistadores, se seu chefe retornava com concessões referendadas pela Sua Majestade. Foi ele quem começou a chamar a aquelas montanhas “Os Pirineus”, talvez inspirado pelo nome de Pirí, ou mexido pela saudade da sua terra natal, Catalunha, ao norte da qual aquela cordilheira criava uma fronteira natural com a França, do mesmo modo que aqui tinha separado aos dois Impérios Ibéricos.

Passaram três meses, a novidade se converteu em rotina e León morria de saudade de Tereza, dos seus filhos, da harmonia do seu castelo e região e da penosa sensação de não estar fazendo nada útil lá. Naquela cidade tensa e cobiçosa, ele apenas era uma testemunha do passado que o presente tolerava. Todo o mundo o tratava com respeito, mas ás vezes se sentia invisível, propositadamente ignorado, até que se fazia notar.

Um dia anunciou por fim a Pere Palau a sua intenção de voltar à sua esposa e ao Castelo de Teré, e o representante do Governador, muito contente de libertar-se daquele indesejado observador, entregou-lhe, junto com todas as suas benções, a sua justa parte do recentemente garimpado mais a parte dos sus companheiros da Nova Ponferrada, pela qual fez-lhe assinar recibo. Não podia-lhe dar cavalarias, porém, sim peões indígenas. León foi visitar Pirí ao Recanto Sagrado, e pediu-lhe que o mantivesse informado de qualquer novidade, mandando-lhe um mensageiro se fosse necessário. Ao dia seguinte, dirigindo aos seus portadores, empreendeu o caminho para o sul.

Foi uma grande felicidade re-encontrar de novo à sua amada, mas nenhum dos seus antigos companheiros se encontrava com ela. Todos decidiram aceitar as cartas de renúncia, salvo-conduto e recomendação que o oficial tinha enviado para eles com os seus camaradas que abandoavam Divino Espíritu Santo. Todos tinham carregado as suas partes do botim e seguido com eles para Asunción, deixando com Tereza as suas despedidas amistosas para León.

Seguiu passando o tempo, sem nenhuma notícia do Capitão Pita nem dos seus homens. Cada três meses baixava para o sul uma caravana de portadores levando ouro de Espíritu Santo para Asunción. Quando o seu chefe inteirou-se de que os espanhóis da guarnição do Castelo tinham ido embora, apresentou um documento previamente preparado pelo oficial do Governador para confiscar as suas partes, e León não teve mais remédio que entrega-las, pois Pere Palau tinha enviado o que de novo lhe correspondia a ele e sempre continuou enviando-o com regularidade. O seu ouro acumulava-se, ainda inútil, nas partes mais escondidas do Castelo de Terê a medida que passava o tempo. León supervisionava desde ele o transito de expedições de espanhóis, com as suas comitivas, que apareciam muito de tarde em tarde, e sempre lhes oferecia hospitalidade por aquela noite, ainda que depois os poucos que chegavam eram portugueses paulistas, aos que acabou acostumando a receber como compatriotas. Finalmente entendeu que nada importante tinha a fazer ali, que a história tinha ultrapassado e diluido a sua missão e que o único que lhe restava era seguir a sua vida com os seu amigos nativos e fazer de hospedeiro quando alguém chegasse, fosse hispano ou luso, branco, mestiço ou índio, o que era sempre uma festa para ele.

Os filhos de Tereza já estavam grandes e o segundo, Jaime, era quem mais se parecia a ela. Visto que a Linha de Tordesilhas deixara de ser fronteira, montou um dia a cavalo em companhia de quatro amigos e foram a explorar as terras ao oriente dela, que não eram muito diferentes das suas no seu aspecto. Seguindo as indicações da sua mãe, conseguiu encontrar ao Norte a mítica e sagrada Chapada da Lua, o ponto mais alto do Planalto, enfeitado por paisagens espetaculares e por muitas belas cachoeiras, que coroavam a divisória das águas do continente, tanto para o Norte como para o Sul. Quando os quatro moços retornaram, cada um trazia uma jovem do povo que habitava a Chapada na garupa do cavalo. A que vinha com Jaime chamava-se Aquarí, era linda e sensível, e acabou por converter-se na sua companheira e discípula de Tereza. Cada vez que podia convencia a Jaime para que a levasse de novo a sua mágica terra.

Jeremías, o último filho de Pirí e Alonso, era em tudo, menos na sua altura de branco e no seu cabelo claro de galego, um perfeito xamã indígena. Junto a sua companheira, uma das jovens nascidas no Recanto Sagrado, deixou o Norte porque não suportava mais a maneira em que os nativos eram explorados lá, e vieram a abrir roça e a plantar Jagube nas florestas ocidentais do Rio da Lua. Quando falava com outros profetizava, como o visionário hebreu de quem vinha o seu nome, que um dia se ergueria ali um povoado multiracial que seria modelo para o Novo Mundo Possível integrado na Natureza, um mundo onde a guerra, a febre d’ouro e o submetimento do homem pelo homen seria só uma vaga lembrança de tempos brutos, escuros e primitivos.

Entretanto, Tereza terminara completamente as 110 estações do seu Parque do Labirinto sobre o lombo do morro, e dedicava todo o seu tempo a mante-lo e embeleza-lo com jardins, esculturas de barro prensado ou pedras e estanques e canais de água da barragem. Pouca ou nenhuma atenção prestavam à sua obra os membros das expedições que subiam ou baixavam, porque o seu único interesse era a procura de ouro, porém, os nativos do povoado próximo consideravam o Parque um lugar sagrado, e faziam cerimônias nele três vezes ao ano, com grandes e alegres celebrações noturnas depois, no povoado que foram construindo ao pé do monte, entre a floresta das suas abas e o córrego.

Pirí veio do Recanto Sagrado uma vez a uma daquelas celebrações, em companhia de três das suas amigas comunitárias. Percorreram o Labirinto de dia, e de noite tomaram Ayahuasca ritualmente junto com Tereza, León, Jeremías, sua companheira e os notáveis locais, no povoado. Ainda não amanhecía quando Pirí, sozinha, voltou começar o percurso do Labirinto pedindo aos seus guias astrais que lhe dessem alguma luz sobre a causa da dolorosa e prolongada ausência do seu Capitão Alonso Pita e do seu filho Carlos.

CAPITULO 10: PRESENTIMENTOS

Aquela tarde confessou, estremecida, à sua amiga Tereza, que só tinha visto sangue nas suas mirações. Sangue, sangue, ouro tinto em sangue. Estava convencida de que Alonso e os seus companheiros nem sequer tinham saído de Asunción e que o Governador acabara com eles para ficar com os seus tesouros e direitos. León ficou pálido quando Tereza comunicou-lhe a visão ou suspeita intuitiva de Pirí, pois coincidia com os seus piores pesadelos, que não se atrevia a comunicar nem a sua companheira.

Acompanhou o retorno a Divino Espíritu Santo de Pirí e das suas amigas e filhos, que não quiseram nem passar pela cidade. Depois que as deixou no Recanto Sagrado, León foi visitar com Jeremías ao Oficial do Governador e lhe expôs a sua preocupação pelo fato de que tanto tempo passara sem a menor notícia de Alonso Pita, seu filho e a suas gentes.

Porém, Pere Palau nada pôde acrescentar ao que já contara a primeira vez que se viram, e tentou acalmá-los: O Comandante Alonso Pita e os seus toparam-se com as avançadas espanholas no nordeste do Paraguai, e desde ali foram conduzidos a ver ao Tenente General Governador em Nossa Senhora da Asunción. Ele foi chamado depois, apresentaram-lhe ao Comandante, foi-lhe apresentado o seu filho Carlos por ele, e recebeu do mesmo Alonso a carta assinada que trouxera junto com as instruções do Governador, que lhe ordenou guardar segredo total com respeito à descoberta do ouro para não provocar uma correria desorganizada na sua procura. Alonso Pita e os seus estavam preparando a sua partida para Espanha desde o Rio da Prata e ainda não saíram de Asunción quando ele foi enviado ao norte, junto com os sócios paulistas do seu superior. Isso era tudo e o seu chefe jamais dera para ele outras novas sobre Alonso Pita e sobre os seus homens, senão que já tinham saído para o Prata, via Buenos Aires, um porto que criara recentemente Juan de Garay, e dali para a Espanha.

O Comandante Palau sairia para Asunción à frente da seguinte expedição, dentro de dois meses, e convidava León a que o acompanhasse, a que se apresentasse ele mesmo ao Governador e a que pedisse a ele permissão para voltar a Espanha com o conseguido, como ele mesmo ansiava fazer. Era absurdo seguir colado àquele remoto lugar, se ambos contavam com suficiente ouro como para viver mais que bem durante o resto das suas vidas se logravam colocá-lo na Europa.

León disse que o pensaria e que lhe comunicaria a sua decisão quando Palau passasse por Nova Ponferrada à sua volta para Asunción. Mandou a Jeremías ao Recanto Sagrado, comunicando a Pirí que nada tinham descoberto ainda, mas seguiriam na pesquisa. Quando retornou com ele junto a Tereza, perguntou-lhe se estava disposta a acompanhar-lhe a Espanha com os filhos e com os homens de maior confiança portando o seu ouro, mas não passando por Paraguai, lugar suspeito, senão seguindo a rota dos paulistas até a sua cidade e o litoral Atlântico, esperando poder embarcar para a Península Ibérica em qualquer navio português ou espanhol, agora súditos do mesmo Rei.

-Isso significa pular sobre o procedimento e a hierarquia militar ordinária- explicou para ela-. Depois terei que justificar ante o Rei não ter pedido licença ao Tenente Governador para partir através da pessoa do Comandante Palau, por causa das minhas suspeitas de que algo pudesse ter acontecido a Alonso e aos seus acompanhantes em Asunción ou depois, baseando-me no fato de não ter notícia alguma deles em três anos.

Tereza ficou impressionada. Tentar se marchar à Espanha naquelas circunstâncias era uma aventura muito riscosa, Ficar no castelo, sem soldados profissionais com os que contar para defender a vida e o ouro, parecia imprudente... Também se perguntava como ia ser a sua vida e a dos seus filhos na pátria dos cristãos, e se realmente aquelas pedras amarelas lhes dariam seguridade e uma boa adaptação. –Meu amor -falou- o assunto é demasiado importante para tomar uma decisão influenciada pela preocupação. É melhor dar um tempo, consultar o interior e depois seguir os sinais.

León conhecia o bastante bem a sua companheira como para saber que ela não deixaria aquele lugar do qual considerava-se a guardiã, sem tentar antes uma clara comunicação com os seus guias. Entretanto, começou dar treino militar aos seus filhos e gentes de confiança, para que pudessem substituir aos guerreiros que haviam partido.

CAPITULO 11: A CONCENTRAÇÃO

Tereza pediu a Aquarí, e a Pirí e suas melhores amigas do Recanto Sagrado, por meio dum mensageiro, que viessem ter uma concentração com ela em Goianapi. Quando chegaram, Jeremías, o cacique Juil e os xamães já o tinham tudo preparado. A comunicação com o Além começou lá e completou-se depois com um percurso ritual do labirinto até rematar junto à barragem, ante a escadaria da pirâmide oculta ao pé do castelo.

O Iniciador Sumé voltou a manifestar-se ali para elas através de Jeremías, para repetir que eram as guardiãs elegidas para fecundar com a sua energia aquele vórtice a fim de mante-lo acesso, projetando e modelando dia a dia no Astral a visão da Tentativa do seu desenvolvimento, até que chegasse o Tempo Propício, no qual o centro do Planalto viraria o berço da Raça Síntese, e atrairia àqueles lugares aos construtores e construtoras do Novo Mundo Possível, por muito distantes que estivessem os países onde residiam, que criariam uma Estação de Contacto no alto da Chapada da Lua. Com a ajuda dos poderes dos guias estelares, o velho mundo ao que pertenciam tinha que invisibilizar-se para a Dimensão Física e passar intacto para a Astral, a fim de poder fecundar com a sua sabedoria de conexão e precipitar a partir de uma forma tenazmente mantida, o Novo Mundo quando por fim chegar.

Na metade da concentração apareceu o Capitão León Osorno com Jaime, como se alguém os tivesse chamado à barragem. Então Pirí começou a falar como médium ante ele e todo mundo percebeu que era o Comandante Alonso Pita quem estava expressando-se através dela. O Comandante disse que nem ele nem os seus companheiros se encontravam mais no mesmo mundo que eles, que o ouro era um material amaldiçoado que levava com ele a perdição e que os aconselhava renunciar a perigosíssima aventura de tentar chegar com ele até o Rei da Espanha, e menos, sem ele.

Tampouco deveriam sentir-se levados àquela riscosa viagem pelo impulso de reclamar justiça pelos desaparecidos, pois existe uma justiça maior que a dos reis que se pôe em movimento como efeito enquanto as causas a produzem. Terminou dizendo que todos acabariam por re-encontrar-se numa nova dimensão pelas suas mentes desenvolvida e precipitada, se aceitavam converter-se nos guardiões dos vórtices sagrados do Planalto e preservar neles mesmos a semente da primeira síntese harmoniosa de raças que ali tivera lugar, até que o Tempo da Grande Mudança chegasse.

Quando aquela cerimônia acabou, todos eles tinham perfeita claridade e perfeita aceitação sobre o destino que a vida lhes estava brindando. Foram dormir e o sonho os levou a todos, castelo incluído, para a outra dimensão, onde os estavam esperando os que antes partiram.

CAPITULO 12: CONCLUSÃO

Dois meses depois, quando o Comandante Pere Palau desceu de Divino Espíritu Santo com os seus homens carregados de ouro e com a expectativa de que poderia convencer a León Osorno de que partisse com ele e com os seus tesouros para Asunción, não encontrou nem rasto do castelo, nem sequer ruínas, como se tivesse volatilizado, e o povoado da Nova Ponferrada achava-se vazio. Os nativos de Goianapi disseram que todos os moradores tinham partido para o sul com as suas pertenças e o Oficial do Governador mandou forçar o passo, por tentar encontrá-los pelo caminho.

Mas não os encontrou. E tampouco pode seguir o seu para Espanha depois do seu encontro com o Tenente General Governador, porque, efetivamente aquele ouro estava ensangüentado e amaldiçoado. Aquele ouro arrastou ao Governador à desgraça quando já acreditava ter sido mais astuto que todos. Com ele desapareceu o segredo dos ricos garimpos do Planalto, pois a ninguém mais informara, senão a homens de confiança que tinham sido eliminados depois de cumpridas as suas missões, como também o foram os seus dois sócios portugueses. Mesmo, nem rasto ficaram das cidades construídas pelos conquistadores, que foram queimadas pela revolta dos indígenas uma vez abandonadas por Pere Palau, sendo trucidados os homens da sua confiança que ali deixara. Só muitos, muitos anos depois, os bandeirantes paulistas voltaram a descobrir o rio d´ouro da montanha e a repetir-se os sofrimentos humanos que a maldição da cobiça desenfreada traz sempre consigo.

Entretanto, o Castelo de Teré, com todos os seus moradores, o Labirinto dos Pirineus, com os comunitários do Recanto Sagrado, e a Estação de Contato da Chapada da Lua, seguiram encantados, invisíveis e ocultos até a Nova Era chegar... Para servir de contendores e vitalizadores do Plano e, quando o tempo anunciado se definisse , como vórtice de atração dos construtores do Mundo Novo que de todas partes sem dúvida confluirão a cumprir um destino que eles mesmos desenharam no Astral, no mesmo período que o seu programa de revelação das potencialidades atuais do Ser..

Esta é a lenda do Castelo que contou a mais velhinha dos pioneiros fundadores de Terezópolis de Goiás, quem, apesar de que o seu veiculo corporal já cumpriu mais de 90 anos, ainda conserva no seu interior infinito e eterno aquela menina mágica, aberta e lúcida.

Contamos tudo isto para que quem tem cabeça para entender entenda, quem tenha sensibilidade intuitiva para reconhecer, reconheça, e quem tenha impulso para construir, construa O Novo, especialmente sobre este centro do sagrado Planalto Brasileiro que já foi há tempos bem adubado para receber a nova semente do projeto de um mundo-sintese um pouco melhor que o anterior... a Nobre Tentativa que justifica a existência de cada nova geração e de cada nova pessoa que nasce nela.




Manuel Castelin, Maio-Junho 2008, Terezópolis de Goiás, Brasil.

O FUTURO QUE OS SERES HUMANOS CONSTROEM PARA SI, É O RESULTADO DOS SONHOS LOUCOS QUE ANTES ATREVERAM-SE A SONHAR E A EXPRESSAR.

0 comentários:

 
© 2007 Template feito por Templates para Você